Saturday, August 22, 2009

O pau-mandado do papai-presidente

 

Ao terminar seu aguardado pronunciamento da tribuna do Senado, ontem, o senador Aloizio Mercadante pediu desculpas à 

família, que lhe pedira que deixasse a liderança do Partido dos Trabalhadores (PT), por não ter resistido ao apelo do presidente Lula para que violentasse a própria consciência e ficasse. A razão da pretendida renúncia, como deixara claro, era 

sua profunda discordância em relação à posição assumida por seu partido, que levou seus três representantes no Conselho de Ética a votar contra o desarquivamento das 11 representações contra o presidente da Casa, José Sarney, por quebra de decoro parlamentar. Mercadante queria que pelo menos uma delas – a referente aos atos secretos – viesse a ser discutida e julgada no Conselho. Derrotado, ia anunciar sua renúncia na quinta-feira – alegadamente para manter-se fiel a suas próprias convicções e princípios éticos – quando foi chamado a Palácio pelo presidente Lula e com ele teve uma conversa que durou 5 horas, estendendo-se até a 1 hora. 


“Não tenho como dizer não a Lula”, disse o senador, quando da tribuna leu o apelo do presidente, em carta enviada após a reunião palaciana. Nela o presidente afirmava que a continuação de Mercadante na liderança era “imprescindível”, “fundamental”. Talvez Lula julgue imprescindível e fundamental contar com líderes partidários com espinhas suficientemente 

flexíveis a ponto de não deixar que convicções pessoais possam se sobrepor às estratégias político-eleitorais por ele (Lula) adotadas, tendo em vista a continuidade do próprio poder. É verdade que, por essa atitude, o senador Mercadante corre o risco de ser julgado apenas um pau-mandado, até porque, como confessou em seu patético discurso, em toda a sua carreira 

jamais resistiu aos apelos do primeiro-companheiro, já tendo desistido de importante bolsa de estudos no exterior, assumido candidaturas indesejadas e não previstas e coisas do tipo. Desde os primórdios das carreiras políticas de ambos, o metalúrgico já comandava o professor e economista – apesar de Mercadante se dizer “petista antes de o PT existir”. 


Aliás, reportando-se aos inícios de sua trajetória petista, quando se dedicou exclusivamente ao ideal de “mudar o Brasil”, acabando com suas injustiças sociais e mazelas políticas, Mercadante garantiu que nunca pleiteou cargos públicos e sempre defendeu a moralidade administrativa. Também não se esqueceu de mencionar que os “atos secretos” ferem claramente dispositivos da Constituição e que o PT cometeu muitos erros políticos na busca de alianças – referindo-se obviamente ao 

PMDB –, sendo essas as razões que, enfim, justificariam suas diferenças em relação à orientação seguida por seu partido. Mas deu como motivações maiores para contrariar suas próprias convicções e permanecer na liderança, primeiro, os triunfos econômicos e sociais do governo Lula e, segundo, a necessidade de mobilizar a militância do partido e fazê-lo 

voltar a seu idealismo (ético) original. Só que, ao se submeter, mais uma vez, à vontade – e aos projetos pessoais – de seu velho companheiro e líder Luiz Inácio Lula da Silva, esqueceu que o Brasil que ele queria mudar foi submetido por Lula a um projeto de poder em que são peças-chave José Sarney, Fernando Collor de Mello e Renan Calheiros – pois esta é a força 

política que interage com a vontade política hegemônica do presidente, para levar o Partido dos Trabalhadores para onde bem entende. 


Há de se reconhecer que o presidente Lula conseguiu realizar todos os objetivos que traçara, desde a eclosão da crise no Senado. Conseguiu preservar na presidência do Senado um político contra o qual pesa uma carga inédita de acusações, suspeitas e indícios – levantados não por uma imprensa “nazista”, mas pela Polícia Federal do seu governo. Conseguiu 

manter a aliança com o PMDB, o aliado mais poderoso – principalmente pelos minutos que controla no horário eleitoral gratuito no rádio e televisão – para a realização de seu projeto de fazer sua sucessora a ministra Dilma Rousseff. E conseguiu enquadrar os dissidentes do Partido dos Trabalhadores, impedindo – como já o fizera ao tempo do mensalão – que os pruri- 

dos éticos de alguns levassem o partido a uma séria cisão interna. Continua unido, embora desfigurado.


Até agora, a vitória é completa. Resta saber se tão despudorados atentados à decência e aos bons costumes não levarão os eleitores a ensinar a Lula e seus companheiros o que foi a vitória de Pirro. 


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