Sunday, October 29, 2006

Pensamentos aleatórios

Todo filho de presidente da República monitor de zoológico vira acionista de empresa com capitalização de R$ 15 milhões em menos de três anos??

Lula é o PT

artigo: Diogo Mainardi

O procurador-geral da República denunciou quarenta mensaleiros. O mais perto que ele chegou de Lula foi o 4º andar do Palácio do Planalto, ocupado por José Dirceu e seu bando. Agora ele terá de descer um lance de escadas e entrar diretamente no gabinete presidencial. Acompanhe-me, por favor. Cuidado com o degrau. Esta é a sala que pertencia a Freud Godoy, gorila particular de Lula. E aquela é a porta do escritório do presidente. Cerca de dez passos. Toc-toc-toc. Tem alguém aí? Lula saiu? A gente volta mais tarde.

Na última terça-feira, Garganta Profunda me passou os dados de um documento bancário de Freud Godoy, encaminhado pelo Coaf à Polícia Federal. Em 24 de março de 2004, ele depositou 150 000 reais na conta da empresa de sua mulher, Caso Sistemas de Segurança. Importante: 150 000 reais em moeda sonante. No documento bancário, Freud Godoy declarou que o dinheiro era fruto de "serviços prestados a clientes". Isso contradiz tudo o que ele alegou até agora. Num primeiro momento, disse que sacou os 150 000 reais para comprar equipamentos. Depois, informou que pediu um empréstimo a um amigo. Mentira. Não foi saque nem empréstimo: foi um depósito. O fato é que ninguém sabe de onde saiu tanto dinheiro e por que foi parar na conta do gorila particular de Lula.

Como Robert Redford em Todos os Homens do Presidente, arregacei as mangas da camisa e fui procurar respostas na capital federal. Pedi à CPI dos Correios para fazer o cruzamento dos dados do valerioduto com o depósito de Freud Godoy. Encontrei uma espantosa coincidência. Em 23 de março de 2004, um dia antes de Freud Godoy depositar 150 000 reais na conta de sua mulher, foram sacados 150 000 reais da conta da SMPB, de Marcos Valério, no Banco Rural. Tudo em moeda sonante. Tudo de origem desconhecida. O saque no Banco Rural foi feito pelo policial aposentado Áureo Marcato. Que voltou ao banco dois dias depois e sacou mais 150 000 reais. Onde foram parar?

Na época do depósito, Freud Godoy era assessor direto de Lula. Mas fazia um bico para o PT, montando o esquema de segurança de Delúbio Soares, que transportava malas de dinheiro sujo de um lado para o outro. Freud Godoy alugou para ele um carro blindado, comprou duas motocicletas para seus batedores e contratou uma escolta de seis policiais militares. Os 150.000 reais depositados na conta de sua mulher podem ter sido o pagamento pelo serviço. Os policiais contratados para escoltar o tesoureiro do PT contaram a VEJA que Freud Godoy, entre outras coisas, era encarregado de organizar os encontros secretos entre Lula e Delúbio Soares. Pode-se imaginar o que eles discutiam.

Lula está praticamente reeleito. Os brasileiros o perdoaram. Mas a bandidagem da qual ele se cercou continuará a rondá-lo para sempre. É assim que será recordado. Por mais que tente se esconder, Lula é o PT. Lula é Delúbio Soares. Lula é Marcos Valério. Lula é o golpismo do mensalão e do dossiê Vedoin. Abra a porta, Lula. Toc-toc-toc.

Thoreau contra o lulismo

artigo: Diogo Mainardi

O Brasil é ruim. Irá piorar.

Eu sempre acreditei nisso. Acredito cada vez mais. O Brasil já era ruim antes de Lula. Com ele ficou ainda pior. Ninguém conseguiu evidenciar nossa ruindade com tanta clareza quanto ele. E ninguém deu tanta garantia de que tudo iria piorar.

O homem certo para este momento é Henry David Thoreau. Leia Thoreau. Releia Thoreau. Declame Thoreau em voz alta. É o melhor remédio para todos aqueles que foram atropelados pelo lulismo triunfante.

Thoreau era um abolicionista americano. Ele rejeitava a escravidão embora a maioria dos eleitores de seu tempo a apoiasse. Em seu principal ensaio, Sobre o Dever da Desobediência Civil, ele argumentou que há algo superior à vontade da maioria: é a moral de cada um. "Minha única obrigação é fazer em todos os momentos o que considero certo."

Mas recomendo Thoreau por outro motivo. Um motivo menor. Um motivo mais mesquinho. Recomendo-o apenas porque ele permite insultar pesadamente o eleitor mantendo uma certa pompa, um certo brilho. Thoreau disse: o eleitor é um cavalo. Ele disse também: o eleitor é um cachorro. Eu repito, citando Thoreau: o eleitor é um cavalo, o eleitor é um cachorro, o eleitor é um cavalo, o eleitor é um cachorro, o eleitor é um cavalo, o eleitor é um cachorro. Insulte o eleitor. Sem perder a pompa, sem perder o brilho.

Thoreau: Cavalo. Cachorro.

Thoreau defendeu o direito de repudiar a autoridade do governo. Eu sou o Thoreau dos pobres. O Thoreau bananeiro. Repudio a autoridade de Lula. Lula pode ser o seu presidente. Meu ele não é. Meu senso de moralidade é superior ao dele. Lula é o chefe de uma junta de golpistas. Referendá-lo significa referendar o golpismo. Cassei sua candidatura um ano e meio atrás. Unilateralmente. Ele que fique com seus doleiros, com seus laranjas, com seus lobistas, com seus assessores, com seus jornalistas, com seus mensaleiros, com seus filhos, com seus gorilas, com seus bicheiros.

A forma que Thoreau encontrou para repudiar a autoridade do governo foi simples e direta: recusou-se a pagar impostos por seis anos. Chegou a ser preso por causa disso. Só foi solto porque uma tia saldou seus débitos. A revolta fiscal é o melhor meio de protesto que há. Muito melhor do que passeata. Muito melhor do que comício. Quem gosta de muita gente aglomerada é lulista. Prefiro me reunir com meu contador em seu escritório mofado, arrumando maneiras mais eficientes para burlar o Fisco. Falta somente uma tia rica para me tirar da cadeia.

O lulismo precisa de dinheiro para funcionar. Dinheiro limpo e dinheiro sujo. Meu terceiro turno será combater a CPMF. Eu sei que é um combate pouco heróico. Mas alguém realmente esperaria gestos heróicos de mim? Abolindo a CPMF, sobrará menos dinheiro para financiar o golpismo lulista. E para comprar os eleitores.

Thoreau: Cavalo. Cachorro.

É preciso civilizar os bárbaros do PT

Artigo: Reinaldo Azevedo

Faz 26 anos que os democratas se ocupam de atrair o PT para a civilização. Os tupinambás e os caetés, no entanto, resistem e tentam impor o canibalismo como algo doce e decoroso. Antes, tingiam a cara para a guerra e nos propunham o dilema: "Socialismo ou barbárie". Com o tempo, eles mesmos fizeram a opção sem nem nos dar a chance de escolher: barbárie! Institucional, quando menos. Mas continuamos aqui, firmes no nosso papel de jesuítas, crentes na nossa missão civilizadora, esforçando-nos para catequizá-los, fingindo que são tupis amistosos – tentando, enfim, emprestar-lhes alguma metafísica. Mas quê... Tenho cá as minhas dúvidas se os aborígines não estão vencendo. Em vez de o primitivismo ser domado, o que vejo é muita gente a flertar com Guaixará, Aimbirê e Saravaia, invertendo o fluxo histórico da civilização.

Os três acima eram os demônios da peça Auto de São Lourenço, do padre Anchieta (1534-1597), representada para os índios e para os primeiros colonos. Lembro-me de um livro que ganhei quando criança. Havia uma ilustração do jesuíta fazendo um poema na areia com um galho ou cajado. A catequese é mais do que um confronto de culturas. É um choque entre tempos. Trata-se do encontro de homens que estão em estágios diversos de domínio da natureza. Um trazia a escrita, a abstração, a realidade como conceito; outros viviam imersos no gozo, no terror e na ignorância. Antropólogos vão protestar. Para eles, pouco importa por que cai a maçã. Qualquer explicação "cultural" vale a pena. Continuo a achar libertadora a lei da gravidade...

Anchieta era um grande educador. Deixaria arrepiados os seguidores do "pedago-demagogo" Paulo Freire. O padre também usava o universo do "educando" (meu micro quase trava diante da palavra...) para passar uma mensagem "libertadora". Empregando elementos da cultura dos indígenas, queria tirá-los de sua crença e lhes ensinar os valores cristãos. Por isso, ridicularizava o seu modo de vida, em vez de adulá-lo. Devemos muito a esse padre. Guaixará, por exemplo, recitava: "Boa medida é beber / cauim até vomitar. / Isto é jeito de gozar / a vida, e se recomenda / a quem queira aproveitar. / A moçada beberrona / trago bem conceituada. / Valente é quem se embriaga / e todo o cauim entorna, / e à luta então se consagra".

Como se vê, Anchieta fazia o contrário do que fazem as ONGs financiadas pelo petismo e por entidades estrangeiras que se encantam com os aborígines alheios. O que o padre associava ao mal e exibia como hábito a ser vencido seria, hoje em dia, exaltado como cultura de resistência. Reparem como a educação formal, do "centro", foi invadida pela chamada "cultura da periferia". Isso é verdade tanto dentro do Brasil como na relação do país com o mundo. Há mais antiamericanos na USP do que em Bagdá ou em Cabul. O Brasil não aceita ser humilhado pelos EUA e pelo FMI. Só pela Bolívia e por Evo Morales. A reeleição de Lula corresponde à vitória do recalque do oprimido.

Falando a catadores de papelão e a sem-teto na quinta, no Palácio do Planalto, Lula Aimbirê disse que nunca antes gente como aquela entrou em palácios. Como se vê, ele precisa de gente como aquela para fazer discursos como aquele... Mais de 400 anos depois, Saravaia dá um pé no traseiro de Anchieta e diz: "Nós vencemos".

Esta nossa catequese política, um tanto infrutífera, também vive, a exemplo da outra, um choque de tempos. A economia da informação do século XXI, os indivíduos conectados à rede e à diversidade, a vitória inequívoca do capitalismo, o triunfo das sociedades abertas, tudo isso tem de conviver com um partido que é herdeiro do Terror Jacobino do século XVIII, do marxismo do século XIX e da Revolução Russa de 1917.

O partido só entende o exercício do poder como golpe e eliminação do outro – ainda que este herdeiro daquelas vocações totalitárias faça a mímica da democracia. Quando se acredita que se converteram, são flagrados comprando um naco do Parlamento. Quando se supõe que estão assustados, tentam golpear as eleições com dossiês fajutos. Quando a gente acha que estão rezando o "creio-em-deus-pai" da democracia, estão se entupindo de cauim, mobilizando instrumentos do Estado a seu próprio serviço. Até vomitar.

O conteúdo que se queria utópico daquelas formulações dos séculos XVIII, XIX e XX ganhou uma nova feição, é verdade, e faz concessões aparentes ao estado de direito. Alguns tantos sustentam que, do totalitarismo jacobino-bolchevista, teria restado tão-somente a moldura, uma vez que não seria lícito duvidar da adesão dos tupinambás e caetés ideológicos à economia de mercado e à democracia. Quantas vezes é preciso que o diabo sapateie no altar para que se reconheça a sua real natureza?

Os "bons selvagens" perderam a batalha para uma teologia e uma tecnologia superiores. Já os maus selvagens decidiram partir para a guerra de valores. Lula e seus rapazes não aceitam mais ser "colonizados" pela democracia. Olham para o conjunto de leis do país e, a exemplo de Guaixará, recitam: "Vêm os tais padres agora / com regras fora de hora / pra que duvidem de mim. / Lei de Deus que não vigora".

O PT conseguiu eliminar a hierarquia de valores que regula a vida em sociedade, de modo a conduzi-la a um estado de permanente subversão. Vale atribuir ao adversário uma intenção que ele não tem, obviamente mentirosa, e, a exemplo do que afirmou Lula num debate, o outro "que desminta". Jaques Wagner, governador eleito da Bahia, um dos caciques petistas, sob o pretexto de defender o bom princípio de que ninguém é obrigado a se auto-incriminar no estado de direito, afirma que o acusado tem o "direito de mentir". Não, meu senhor! Mentir à polícia è a Justiça é um risco, não um direito. O petismo é mestre não propriamente em negar a verdade, mas em corrompê-la. É por isso que precisa tanto do concurso de um criminalista.

Ou o petismo passa a ser visto no curso de uma revolução cultural ou jamais será entendido – e vencido. E o canibalismo será regra. Numa campanha eleitoral sem propostas, sem valores, sem alternativas, sem diferenças de conteúdo, aborrecida a mais não poder, resta, sem dúvida, uma intenção, anunciada por Lula, que faz toda a diferença. No debate da Rede Record, deixou entrever a disposição de estudar o que eles chamam de "controle social dos meios de comunicação". Trata-se de um eufemismo e de uma perífrase para "censura". O PT vê em cada veículo – ou, vá lá, em boa parte deles – um bispo Sardinha dando sopa. Sabe que a imprensa livre é o Evangelho da democracia; que ela guarda seus segredos e seus fundamentos.

Estamos vivendo os nossos dias de Hans Staden (1525-1579), o aventureiro alemão que caiu presa dos tupinambás. Deu sorte: conseguiu sair vivo. No cativeiro, observou os costumes dos antropófagos e depois redigiu um relato de viagem que fez grande sucesso na Europa. Ajudou a espalhar a lenda de que, por estas plagas, comer gente era prática corriqueira – os tupis, coitados, gostavam mesmo era de uma capivara e de um macaco. Alguns acreditam de tal modo na superioridade de sua teologia e de seus hábitos alimentares que observam os seus raptores com interesse antropológico, mal disfarçando certa simpatia por aqueles que os ameaçam.

Estou fora dessa. Quero os tupinambás e os caetés ajoelhados. Sob o signo da Cruz da civilização. Os petistas devem acionar a tecla SAP para metáforas e metonímias neste último parágrafo.

Sunday, October 01, 2006

Resultado final - 1° turno

Lula - 48,61%

Alckmin - 41,64%

Alckmin é o grande vitorioso. Sai na frente no segundo turno. O papai-presidente saiu derrotado. Agora é uma nova campanha e as chances de se apear o "guia" do poder aumenta a cada dia.

Estamos em campanha. Eu estou em campanha. Eu sou o anti-Lula.


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2° TURNO

CHUPA LULA!!!!!!!!!!!!!!!!

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Dever cívico

As eleições de hoje são o ponto culminante da mais longa campanha eleitoral de que se tem notícia no Brasil. Desde 1º de janeiro de 2003, quando assumiu a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva não deixou, um dia sequer, de se dedicar à campanha para a reeleição. Tudo o que fez, durante seu governo - a começar pelos discursos de cada dia -, teve como objetivo esticar o mandato por mais quatro anos - seus companheiros de copa e cozinha ainda alimentam planos para ficar pelo menos 20 anos no poder. O preço dessa ambição tem sido caríssimo para o Brasil.
Nestes quatro anos, não houve Poder que ficasse imune ao processo de desmoralização das instituições levado a cabo pelos companheiros que Lula colocou em postos-chave para executar o plano de conquista e manutenção do poder. O achincalhe chegou à ante-sala do presidente, no Palácio do Planalto, tomou de assalto Ministérios, invadiu o Congresso e respingou no Judiciário. A tudo isso o presidente Lula assistiu, impassível. Quando muito, classificou os crimes capitulados em lei, cometidos por mensaleiros, sanguessugas e gen
te da mesma laia, como 'erros', pequenos percalços corrigidos com um puxão de orelha. À lassidão moral que tomou conta das instituições somou-se o entorpecimento das consciências. Embora o presidente Lula seja, de fato, o maior comunicador de massas que já surgiu na política nacional, por si só essa qualidade não bastaria para mesmerizar a maioria dos eleitores, a ponto de cegá-los para os escândalos, a corrupção e o mau desempenho administrativo do governo petista. O que, decisivamente, consolidou e ampliou a popularidade de Lula, conquistada pelos bons resultados da política monetária em termos de controle da inflação e da política de assistência social, foram as 'bondades' praticadas com largueza com o dinheiro público - sendo o melhor exemplo disso o próprio Bolsa-Família, que triplicou neste ano eleitoral o número de beneficiários.
Esses fatos marcam a diferença entre o pleito de hoje e as circunstâncias que cercaram as eleições de quatro anos atrás. Em 2002, o presidente Fernando Henrique comportou-se como um magistrado - o que Lula, então, teve de
reconhecer. Não transigiu com a austeridade fiscal e administrativa que era a sua marca desde que implantou o Plano Real, como ministro da Fazenda. Não colocou nem permitiu que se colocasse a máquina administrativa a serviço dos candidatos de seu partido. Enfim, deu à democracia brasileira um vigor e uma profundidade sem precedentes. O resultado foi o nivelamento das oportunidades eleitorais, o que permitiu que o eleitorado - que ansiava por mudanças, desde que feitas no quadro da estabilidade - se voltasse para a candidatura de Lula, que meses antes da eleição havia abandonado o programa radical do PT, comprometendo-se com a continuidade da austeridade fiscal e monetária.
Quatro anos passados, do aperfeiçoamento das instituições, das reformas estruturais, da modernização do Estado para colocá-lo a serviço da população, e não de um grupelho que dele se serve, disso tudo só restam, quando muito, alguns resquícios. Os vícios político-eleitorais, que se acreditava expungidos da vida pública, voltaram revigorados. É contra esse estado de coisas que os brasi
leiros devem reagir - hoje, nas urnas.
Nas últimas semanas, sempre que surge um fato política e moralmente desabonador para o candidato à reeleição e seus 'meninos aloprados' - e tais fatos abundam -, eles, Lula à frente, têm denunciado que está em marcha um plano golpista para negar-lhe um segundo mandato. Inebriado pela sua popularidade, o presidente age como se tivesse direito divino a um outro período de governo. Nem ele tem esse direito nem há golpismo no ar - a não ser na nem um pouco ingênua imaginação dos estrategistas do projeto de poder do PT.
O presidente Lula, cuja eleição de quatro anos atrás foi um sopro de esperança de renovação da vida política nacional, hoje é, por ação e omissão, o grande responsável pela desmoralização do Congresso, pela politização da máquina administrativa e pela crescente repulsa da sociedade pela atividade política. É contra isso que é preciso resistir. Ao contrário do que afirma o presidente Lula, para justificar a bandalheira de seus 'meninos', nem todos os políticos são iguais e nem todos os partidos são semelhantes. Hoje é dia de o eleitor consciente exigir a volta da ética na política e da probidade na administração.

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Voto pela Democracia

Fernando Henrique Cardoso

Hoje cerca de 100 milhões de brasileiros irão às urnas. Sabemos das distorções de nossa democracia. Apesar disso, se fizermos a reforma eleitoral e introduzirmos o voto distrital, se o Congresso não anular a cláusula de barreira e assegurar na legislação a fidelidade partidária, teremos dado passos importantes. Falta, entretanto, o principal: que os partidos tenham um significado mais claro para o povo e que o mundo político não continue tão afastado da sociedade. O resto dependerá da consolidação da democracia em sentido amplo, com maior acesso à informação, melhor sistema educacional e maior disponibilidade de canais para a participação de segmentos crescentes da sociedade no processo deliberativo, e não apenas no processo eleitoral.
Estamos longe deste ideal.
Nem por isso o significado do
voto deve ser diminuído. Ganhe quem ganhar (e eu luto para que Geraldo Alckmin seja eleito), a voz das urnas será acatada e seu significado precisará ser decifrado. Depois da avalanche de escândalos e da desfaçatez do presidente em se livrar de qualquer responsabilidade pelas muitas arbitrariedades e falcatruas que seus mais íntimos colaboradores e os líderes de seu partido orquestraram, seria de pasmar que ele ganhasse no primeiro turno. Entretanto, mesmo que a votação em Alckmin e nos demais candidatos de oposição nos leve ao segundo turno, como acho desejável e possível, uma enxurrada de votos será despejada no novo taumaturgo, o homem que se crê a encarnação viva de nossa História e dos destinos do País e que, só por esquecimento, não proclamou a independência no último 7 de setembro.
Entende-se que milhões de votos que o sufragarão venham do povo mais pobre e também dos beneficiários do setor financeiro e de alguns setores das atividades econômicas ou da burocracia pública. Há razões concretas para isso. Afinal, dada a conjuntura econômica mundial favorável, dada a continuidade da 'herança maldita' com seus desdobramentos nas políticas públicas, houve melhoria das condições de vida e na economia. Neste caso, o voto encontra apoio em interesses concretos e legítimos. Mas não é só isso que está em causa.
Até passado recente milhões de brasileiros tinham confiança quase ilimitada em Lula.
Ele se notabilizara como um lí
der sindical que expressava um momento novo da sociedade e era autêntico. Recusava epítetos ideológicos e, quando lhe perguntavam se era de esquerda ou socialista, respondia que era torneiro mecânico. Tosco, mas vigoroso e verdadeiro. Conheci-o de perto nessa época e o respeitava como pessoa e como símbolo. Este respeito se manteve nas campanhas em que lutamos juntos, nas em que fomos adversários e naquela em que ele foi vencedor. Sempre o achei mais símbolo que líder, e digo isso não para diminuí-lo, posto que líderes há muitos e símbolos são poucos.
Entristece-me vê-lo agora despedaçando seu significado e se transformando num político banal, esperto, que diz uma coisa hoje, outra amanhã, que beija a mão em que cuspia e outra coisa não faz com o prato no qual está comendo, a 'herança maldita', como a qualifica. Tenta desfigurar o enorme esforço feito pelo País, com o Plano Real, a reconstrução do Estado, a renovação das políticas públicas, a rede de proteção social, a consolidação da democracia e a luta por um Brasil mais decente.
Que ele se pense pai dos pobres e mãe dos ricos, que creia
ser alguém que não erra nem dá o braço a torcer, que nada tem que ver com os desvios de conduta de seus ministros, dos dirigentes políticos que escolheu ou de auxiliares próximos, tanto melhor para seu conforto. O grave é quando seus partidários o acompanham nesse sentimento: a reação do presidente do PT, acusado pelo presidente de responsável pela montagem do grupo que urdiu o infame dossiê Cuiabá, 'se Lula falou, está falado', é a demonstração cabal do aviltamento do que outrora se considerava e era um partido de esquerda. Um partido que nasceu para ampliar a participação popular se transformou em máquina burocrática que a sufoca.
Um partido que nasceu reformador na esquerda e um líder que veio para renovar caíram na armadilha do clientelismo e do patrimonialismo, vestindo-os com os trajes 'modernos' da sociedade em redes: encastelaram-se no Estado, formaram novos anéis burocráticos, articularam-se com os interesses da grande empresa. Dispondo das técnicas de espionagem e de 'expropriação' herdadas do romantismo revolucionário, ampliaram de muito a capacidade de se informar e de utilizar as brechas do controle social para obter recursos ilegítimos.
O que está em jogo é, portan
to, muito mais do que discutir até que ponto houve avanços sociais ou econômicos no governo Lula e compará-los com o governo passado. Quantos ditadores ou populistas justificaram seus arbítrios e aumentaram sua popularidade alegando ganhos materiais, reais ou imaginários, para o povo? Não estou falando de 'chavismo' ou coisa que o valha. Lula é bastante conservador e nada tem de antiamericano ou de antiglobalização para arriscar-se a tais propósitos. Falo de algo mais essencial: o abastardamento da função pública, o fomento à arapongagem particular ou partidária, o avanço do PT e seus aliados no controle da máquina pública e das empresas do Estado, transformando-as em instrumentos vis a serviço da sordidez, como se viu na quebra de sigilo da Caixa Econômica ou, agora, no envolvimento de um diretor do Banco do Brasil em operação de chantagem. Em suma, o desvirtuamento da democracia.
Esta precisa consolidar-se
como um sistema em que as escolhas se baseiam em informações, na deliberação, e não na manipulação das massas, no controle de uma burocracia partidária ou na idolatria de um líder. Quem mina o ideal democrático com estas práticas não pode receber o apoio dos democratas. Além das qualidades intrínsecas que Geraldo Alckmin possui para receber o voto, há, portanto, uma questão de princípio envolvida na decisão eleitoral. Os eleitores têm motivos suficientes, portanto, para barrar o descalabro das instituições e a desmoralização das práticas democráticas.?


Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

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