Tuesday, November 07, 2006

O Brasil é maior que a reeleição

Goste-se ou não do resultado das urnas, o fato é que o país vai sobreviver a qualquer ocupante do Palácio do Planalto -- por pior que seja sua gestão


Por J. R. Guzzo


A única coisa de bom que se pode dizer sobre a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para mais um mandato é que esta foi a decisão da maioria do eleitorado brasileiro, expressa nos 60% de votos que obteve no segundo turno. Pior, para o Brasil, seria ter um presidente que a maioria não quer, ou não ter aquele que quer, como já aconteceu tantas outras vezes. Agora, pela quinta vez seguida, o país elege seu presidente da República pelo voto livre, direto e eletrônico, algo que, considerando-se as desordens do passado, já é um grande avanço e, também, um patrimônio a ser preservado. Todo mundo tem o direito de achar que Lula foi e continuará sendo um presidente muito ruim, mas qualquer outra atitude que não seja aceitar a decisão das urnas é erro em estado 100% puro. Os que não queriam que ele fosse reeleito tiveram sua oportunidade de derrotá-lo nas eleições encerradas no dia 29 de outubro; se não conseguiram, paciência. Nas quatro eleições que perdeu, três para a Presidência e uma para o governo de São Paulo, Lula disse que o eleitorado não sabia votar, como dizem hoje muitos de seus adversários. Talvez estivesse certo, mas esse é o único eleitorado que existe -- e é com ele que o país tem de conviver.

É bom lembrar, também, que o Brasil não acaba com a reeleição de Lula, até porque continuará a haver eleições -- e elas servem como porta de entrada e de saída. Tem tudo para ficar pior, pois o governo está longe de esgotar toda a capacidade de sua caixa de ferramentas; se as calamidades que produziu ao longo dos últimos dois anos não impediram que o presidente tenha sido reeleito, por que fazer algo diferente do que vem fazendo até agora? Fica pior mas sobrevive, como já sobreviveu. Dizia-se que ou o Brasil acabava com a saúva, ou a saúva acabava com o Brasil. Nunca se soube, exatamente, o que aconteceu com as saúvas. Supõe-se que tenham acabado, já que o Brasil não acabou. Também não vai acabar agora.

Cheiro de queimado

O público brasileiro vem sendo informado, pelo governo e por políticos das suas redondezas, que o grande problema do país é São Paulo. Por acharem que falar mal de São Paulo rende votos, por acreditarem que o Brasil está sempre precisando de algum problema novo ou simplesmente por falta do que dizer e fazer, os defensores da idéia vêm tentando transformar numa acusação mais ou menos tudo que possa ser tido como paulista. É como se faz com a elite, a privatização ou outras palavras que integram a atual lista negra da política nacional: passou a ser um genérico de coisa ruim. O presidente Lula, que vive desde os 6 anos de idade em São Paulo, nessas horas se lembra que nasceu em Pernambuco e revela que o Brasil não pode ser governado com a "cabeça da avenida Paulista" -- algo que não se sabe precisamente o que significa, mas bom não deve ser. Seu partido, o PT, acusa a si próprio de ser paulista demais e acha que é aí, e não nas suas complicações com a polícia, que está o problema. Há casos de políticos e empresários paulistas que não querem parecer paulistas. O ex-ministro Ciro Gomes, do alto do seu cartaz com o presidente da República, sonha com um Brasil em que São Paulo não existisse.

Há um cheiro de queimado nessa história toda. Até pouco tempo, pensava-se que tinha saído de moda falar mal de São Paulo, onde a União arrecada 41% de todos os seus impostos. Mas nunca se deve subestimar a capacidade do governo e do PT em ressuscitar idéias ruins. No caso, a ruindade está no estímulo à divisão -- São Paulo contra o Brasil, norte contra sul, quem se formou contra quem não é formado e, no fundo de tudo, "nós" contra "eles", uma noção na qual fica claro que "nós" é quem está no governo ou a seu favor, mas nunca se explica direito quem seriam "eles". Joga-se na fabricação de inimigos que podem ser utilizados, a qualquer hora, para receber a culpa por problemas não resolvidos. Coloca-se sobre eles, ao mesmo tempo, uma vaga sombra de "anti-Brasil". Ciro Gomes, por exemplo, assegura que São Paulo "não faz parte da sociologia brasileira". Faz parte de qual sociologia, então? O ex-ministro não diz nem especifica o que São Paulo teria de mudar para satisfazer os critérios pelos quais ele classifica o que é brasileiro e o que não é.

O governo faz um percurso torto ao navegar nessa maré. De um lado, é presidido por um homem que fez toda a sua carreira política em São Paulo e encheu sua administração com dezenas de paulistas; de outro, não quer perder a oportunidade de pescar nessa demagogia confusa. Não lhe ocorre lembrar que São Paulo poderia ser considerado o lugar mais brasileiro do Brasil, pois nenhum outro tem em sua população tanta gente vinda de outros estados. Ou, então, que o Brasil vem sendo governado, sim, por presidentes saídos de São Paulo desde a eleição de Fernando Henrique em 1994, mas quem decidiu isso não foram os paulistas, e sim a maioria da população brasileira, em quatro eleições sucessivas. Mas essas coisas fazem parte do mundo dos fatos. O governo não está interessado nisso.

1 comment:

Pri Tescaro said...

Paulo..... meu comentário não tem nada a ver com o post. É só pra dizer que também tenho meu blog.

Com outra linha editorial, diferente do seu, mas está ficando bacana. Se quiser visitar http://satisfeito.blogspot.com

Beijo,
Pia