Friday, November 10, 2006

O boom exportador chegou ao fim?

No último meio século as exportações brasileiras cresceram 9,2% ao ano, em valor, um ritmo semelhante ao do comércio internacional, que aumentou 9,9% ao ano. A preços constantes as taxas são ainda mais parecidas: 6,3% e 6,4% ao ano, respectivamente. Porém, ao contrário do observado para o total mundial, em que oscilações no desempenho individual dos países se compensam, o ritmo de expansão das exportações brasileiras variou muito. Na maior parte desse período o Brasil perdeu participação no comércio internacional, recuperando-a parcialmente em apenas três momentos: 1968-74, 1979-84 (época da fase "Milagre Econômico") e 2003-05, quando nossas exportações aumentaram 25%, 16% e 25% ao ano, respectivamente. Este ano, com uma expansão projetada de 14,2%, as vendas externas devem ir bem outra vez.

A análise destes três episódios revela a importância de cinco fatores principais na determinação do desempenho exportador: taxa de câmbio, incentivos tributários e creditícios, baixa pressão da demanda interna sobre a capacidade produtiva, ritmo de crescimento da economia mundial e preço das exportações. Os três primeiros foram particularmente relevantes em 1967-73 e 1979-84. Nestes períodos o câmbio se desvalorizou, foram criados diversos incentivos, inclusive subsídios depois proibidos pela OMC, e feitos grandes investimentos que permitiram expandir a oferta além do necessário para suprir o mercado doméstico. Em especial, em 1979-84 a desaceleração da demanda doméstica coincidiu com a maturação de grandes projetos de investimento para os quais a exportação, às vezes a custos variáveis, evitou maiores prejuízos. A expansão da capacidade produtiva e a natureza dos subsídios explicam um traço distintivo desses dois episódios, a grande diversificação setorial da pauta exportadora. Em 1968-74 também foi fundamental o forte aumento de preços em dólares, de 12% ao ano, que em 1979-84 ficaram estagnados.

O boom exportador de 2003-06 também decorreu em parte da forte depreciação cambial - descontada a inflação, em 2002-03 o real esteve 89% mais desvalorizado do que em 1997-98. Os incentivos tributários foram igualmente importantes, não por conta de novas medidas de estímulo, mas devido ao aumento da carga tributária - de 29,6% do PIB em 1997-98 para 37,4% do PIB em 2005. Como as exportações são isentas da maioria dos tributos, o aumento da carga as tornou relativamente mais atraentes. Ao contrário dos dois episódios anteriores, porém, não houve a maturação de novos investimentos importantes - em 1999-2002 a taxa de investimento a preços de 1990 foi 1,6% do PIB inferior à de 1995-98 - o que ajuda a explicar por que a recente expansão se deu sem alterações setoriais significativas na pauta de exportações. O que de fato contribuiu para estimular as exportações, neste caso, foi a estagnação da demanda interna, que em 2001-05 caiu 0,3%.

A expansão da economia mundial e dos preços em dólares também explica muito do recente boom, que nesse aspecto se assemelha ao de 1968-74. Em 2003-06 o comércio internacional se expandiu, em termos reais, cerca de 8,6% ao ano, quatro vezes os 2,2% observados em 2001-02 e perto dos 9,7% de 1968-74. O maior destaque, porém, foi o grande aumento dos preços, em dólar, das exportações brasileiras, de 10% ao ano, contra uma queda de 5% ao ano em 1999-2002. Contribuíram para isso, como em 1968-74, a depreciação do dólar e a política monetária frouxa nos países industrializados, que diminuiu o custo de manter estoques, inclusive os de natureza especulativa. Em particular, a taxa de câmbio efetiva real dos EUA se desvalorizou cerca de 4,7% ao ano em 2003-06, quase o dobro dos 2,5% ao ano de 1968-74.

Ainda que nos últimos anos as exportações brasileiras tenham superado as projeções mais otimistas, dificilmente isso se repetirá no próximo quadriênio. O mais provável é que elas entrem outra vez numa expansão em marcha lenta, como na maior parte dos últimos 50 anos. Vários fatores contribuiriam para isso. A forte apreciação da taxa de câmbio, que, medida em relação ao dólar e descontada a inflação, deve fechar este ano exatamente no mesmo nível que em dezembro de 1998, véspera da flutuação do real. O real desvalorizado de 1999-2003 estimulou uma forte expansão da base de empresas exportadoras, de 13,9 mil em 1998 para 17,9 mil em 2004. Para várias dessas empresas o real depreciado financiou investimentos iniciais de descoberta e entrada em mercados, e agora elas poderão neles permanecer mesmo com uma taxa de câmbio menos favorável. Mas para muitas, possivelmente a maioria, a apreciação do real dos últimos três anos forçará o abandono das exportações.

A recuperação da demanda doméstica, depois de um período de baixo investimento, também aumentará o custo de oportunidade de exportar. O Ipea prevê que a demanda doméstica cresça 4,7% ao ano em 2006-07, o que não é pouco, considerando que em 2003-05 a taxa de investimento a preços de 1990 ficou 1,3% do PIB abaixo do já reduzido patamar de 1999-2002. Os estímulos tributários também devem perder força, na margem, como estímulo às exportações: ainda que a carga tributária deva continuar aumentando, é improvável que o faça no mesmo ritmo dos últimos anos.

As notícias em relação à economia mundial também não são boas. O crescimento do comércio internacional deve desacelerar em 2007, ainda que permanecendo num patamar elevado. O cenário para os preços das exportações é menos alvissareiro. O dólar deve continuar a se depreciar, mas bem mais lentamente que em anos recentes, o que em um ambiente de crescimento mais lento do PIB mundial e após a subida dos juros nas economias industrializadas não será suficiente para impedir uma reversão na tendência do preço das commodities não-petróleo. O FMI projeta uma queda de 5% em 2007, depois de uma escalada de 17% ao ano em 2004-06. Novas quedas podem ocorrer nos anos seguintes.

Tudo faz crer, portanto, que o boom exportador está chegando ao fim. Resta saber se desta vez serão os pessimistas a serem surpreendidos por uma expansão ainda menor do que a prevista pelo mercado, de 5% ao ano, em valores correntes, em 2007-10.

No comments: