Sunday, October 01, 2006

Dever cívico

As eleições de hoje são o ponto culminante da mais longa campanha eleitoral de que se tem notícia no Brasil. Desde 1º de janeiro de 2003, quando assumiu a Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva não deixou, um dia sequer, de se dedicar à campanha para a reeleição. Tudo o que fez, durante seu governo - a começar pelos discursos de cada dia -, teve como objetivo esticar o mandato por mais quatro anos - seus companheiros de copa e cozinha ainda alimentam planos para ficar pelo menos 20 anos no poder. O preço dessa ambição tem sido caríssimo para o Brasil.
Nestes quatro anos, não houve Poder que ficasse imune ao processo de desmoralização das instituições levado a cabo pelos companheiros que Lula colocou em postos-chave para executar o plano de conquista e manutenção do poder. O achincalhe chegou à ante-sala do presidente, no Palácio do Planalto, tomou de assalto Ministérios, invadiu o Congresso e respingou no Judiciário. A tudo isso o presidente Lula assistiu, impassível. Quando muito, classificou os crimes capitulados em lei, cometidos por mensaleiros, sanguessugas e gen
te da mesma laia, como 'erros', pequenos percalços corrigidos com um puxão de orelha. À lassidão moral que tomou conta das instituições somou-se o entorpecimento das consciências. Embora o presidente Lula seja, de fato, o maior comunicador de massas que já surgiu na política nacional, por si só essa qualidade não bastaria para mesmerizar a maioria dos eleitores, a ponto de cegá-los para os escândalos, a corrupção e o mau desempenho administrativo do governo petista. O que, decisivamente, consolidou e ampliou a popularidade de Lula, conquistada pelos bons resultados da política monetária em termos de controle da inflação e da política de assistência social, foram as 'bondades' praticadas com largueza com o dinheiro público - sendo o melhor exemplo disso o próprio Bolsa-Família, que triplicou neste ano eleitoral o número de beneficiários.
Esses fatos marcam a diferença entre o pleito de hoje e as circunstâncias que cercaram as eleições de quatro anos atrás. Em 2002, o presidente Fernando Henrique comportou-se como um magistrado - o que Lula, então, teve de
reconhecer. Não transigiu com a austeridade fiscal e administrativa que era a sua marca desde que implantou o Plano Real, como ministro da Fazenda. Não colocou nem permitiu que se colocasse a máquina administrativa a serviço dos candidatos de seu partido. Enfim, deu à democracia brasileira um vigor e uma profundidade sem precedentes. O resultado foi o nivelamento das oportunidades eleitorais, o que permitiu que o eleitorado - que ansiava por mudanças, desde que feitas no quadro da estabilidade - se voltasse para a candidatura de Lula, que meses antes da eleição havia abandonado o programa radical do PT, comprometendo-se com a continuidade da austeridade fiscal e monetária.
Quatro anos passados, do aperfeiçoamento das instituições, das reformas estruturais, da modernização do Estado para colocá-lo a serviço da população, e não de um grupelho que dele se serve, disso tudo só restam, quando muito, alguns resquícios. Os vícios político-eleitorais, que se acreditava expungidos da vida pública, voltaram revigorados. É contra esse estado de coisas que os brasi
leiros devem reagir - hoje, nas urnas.
Nas últimas semanas, sempre que surge um fato política e moralmente desabonador para o candidato à reeleição e seus 'meninos aloprados' - e tais fatos abundam -, eles, Lula à frente, têm denunciado que está em marcha um plano golpista para negar-lhe um segundo mandato. Inebriado pela sua popularidade, o presidente age como se tivesse direito divino a um outro período de governo. Nem ele tem esse direito nem há golpismo no ar - a não ser na nem um pouco ingênua imaginação dos estrategistas do projeto de poder do PT.
O presidente Lula, cuja eleição de quatro anos atrás foi um sopro de esperança de renovação da vida política nacional, hoje é, por ação e omissão, o grande responsável pela desmoralização do Congresso, pela politização da máquina administrativa e pela crescente repulsa da sociedade pela atividade política. É contra isso que é preciso resistir. Ao contrário do que afirma o presidente Lula, para justificar a bandalheira de seus 'meninos', nem todos os políticos são iguais e nem todos os partidos são semelhantes. Hoje é dia de o eleitor consciente exigir a volta da ética na política e da probidade na administração.

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